Em meio a realidades difíceis, organização tem feito a diferença na vida de muitas famílias
Por Ana Priscila Rodrigues
Foi no Morro do São Jorge, em Macaé-RJ, que há quatro anos nasceu a Organização Não Governamental (ONG) Centro Social Abraço. Onde um grupo de amigos iniciou um projeto para tirar as crianças de um contexto de rua através de educação, artes, esportes, dança, etc. Atualmente, a ONG é dirigida por Jeferson Marcos Andrade, 32 anos, que renunciou sua profissão para se doar a organização. Contando com o trabalho de oito voluntários e recebendo cerca de 72 crianças por mês, ele afirmou: “não me arrependo de nada, essa ONG é minha vida”. Além da responsabilidade e da obrigação, todo o trabalho é uma questão de vocação. É necessário ter disposição, compromisso e amor para realizar todo esse projeto, pois não contam com o apoio do governo.
A pequena estrutura física não é um empecilho para que as diversas atividades diárias sejam realizadas, porém a organização ainda precisa de voluntários ativos que possam ajudar no projeto. As crianças são introduzidas em um âmbito social, sendo educadas sobre cidadania, resgatando valores de família e sendo incentivadas a desenvolver suas capacidades. O objetivo principal é que dons e talentos sejam despertados, rompendo com suas barreiras emocionais.
A ONG é mantida através da ajuda de algumas igrejas, amigos, e da Rodotech – uma empresa de Macaé. Uma vez por mês a equipe do Centro Social Abraço faz pedágio no sinal com o intuito de arrecadar dinheiro para as despesas. Como morador do morro, Jeferson enxergou a necessidade do local.
Infância interrompida
Um lugar onde a sexualidade é estimulada precocemente e meninas já aos seis anos demonstram sensualidade e trocam a infância pelo desejo de se tornarem mulheres. As meninas iniciam a vida sexual, em média, aos 11 anos de idade, segundo o diretor da organização. Muitas crianças têm contato com drogas, algumas vezes dentro da própria escola, mas também nas ruas ou dentro de casa. O que mais afeta o comportamento delas é a disfunção familiar como, por exemplo, a gravidez precoce, um dos motivos pelo qual muitos nascem com a ausência da figura paterna. Em muitos casos, a imaturidade e o despreparo das mães fazem com que seus filhos sejam criados por parentes próximos.
As brincadeiras nas ruas são diferentes. Apesar de serem crianças, elas brincam de assalto. A marginalização das crianças só aumenta. Ao perguntar a um dos garotos o que ele queria ser quando crescer, a resposta foi que “eu gosto de bichinhos, mas meus amigos me zoam por isso. Eu queria ser veterinário.” A esperança se perdeu dentro deles.
Abuso
Um olhar fechado e retraído de uma das meninas esconde cenas fortes de abuso e um grito contido, preso por dentro. Com apenas seis anos de idade, ela presencia um cenário de agressão. O pai agride a mãe em frente aos três irmãos. Não só fisicamente, mas sexual e verbalmente. O irmão maior abusa sexualmente do menor. Um dos seus desenhos mostrava a menina sentada no teto de sua casa, sozinha. Em outro papel, ela desenhava uma pessoa que sentia afeto. O contraste das paisagens chamou a atenção. No desenho da outra pessoa, o céu era claro, o sol brilhava e sorria. Entretanto, no desenho de si mesma, o dia era escuro, o sol não brilhava tão intensamente e não expressava sentimento algum. Histórias difíceis de serem contadas, muitas até comoventes, mas o pior é a conformidade. Uma cultura de rua deturpada, onde sexo e drogas se tornam metas de vida.
Trabalho
Macaé, conhecida como a capital do petróleo e sede da Petrobrás, tem gerado muitos empregos. Com um alto crescimento econômico e empresas com grandes empreendimentos, a cidade tem atraído olhares de pessoas que buscam uma chance para melhorar de vida. Mas basta olhar a realidade mais carente da cidade para se deparar com o forte contraste social. Lugares esquecidos como Malvinas, é um bairro conquistado por invasão e onde o poder do tráfico é influente. A pouca infraestrutura dessa comunidade mostra a ineficiência do poder público. A perspectiva de vida é pouca. Os jovens começam a trabalhar cedo – quando a necessidade bate à porta – visto que eles também constituem família com pouca idade. O ensino médio torna-se suficiente. Alguns trabalham informalmente. Outros, a maior parte, optam pelo tráfico de drogas como meio de sustento, por ser mais acessível, pois os empregos exigem uma qualificação que a maioria da população não possui.
Esperança
Ainda assim, histórias inspiradoras também fazem parte da ONG. Como a de D.C, 16 anos, que há um ano está na organização. “Minha vida mudou muito e, se não fosse esse lugar, eu estaria perdido”, contou com euforia sobre sua superação e sobre como pôde mudar seu percurso. Aos 14 anos, ele se envolveu com o álcool e, em seguida, passou a traficar. Não é apenas por gerar renda e status que escolhem essa vida. “Comecei a participar da ‘boca’ quando fiquei revoltado com minha situação dentro de casa, minha mãe havia falecido e não tinha nada na cabeça.” É principalmente pela falta de metas que estão envolvidos no imenso mercado das drogas. Mas é a partir de mudanças como a de D., que são vistos os frutos de todo esse trabalho, e do quão é recompensador. As atividades são apenas uma estratégia de alcançar a vida desses garotos, pois o foco está em andar com eles, mostrar algo novo e diferente para suas vidas. O impacto que a organização causa na comunidade do Morro do São Jorge é realmente grande.
O Centro Social Casa do Abraço se tornou um lugar onde as crianças encontraram refúgio, um lugar de alegria e sorrisos. Elas sonham, conhecem, descobrem um mundo em outra visão, diferente da que vivem e, acima de tudo, são amadas. Ajudá-las a acreditarem em si mesmas é um grande desafio. Eles pretendem alcançar não somente as crianças, mas também suas famílias e as demais comunidades de Macaé. Hoje, já existe um projeto novo em fase de andamento na região da Ilha Leocádia, próximo às Malvinas, que reflete em maior proporção os problemas encontrados nas outras comunidades de Macaé. Como disseram Ronaldo e Carmem, há trinta anos casados e moradores do Morro do São Jorge, “essas crianças, esses jovens são o nosso futuro”.
Jeferson, assim como as pessoas que ajudam na realização desse trabalho, desejam ver essas crianças sonhando, tendo objetivos, acreditando que eles podem se tornar reais, proporcionando um novo enredo em suas vidas.