A VERDADEIRA HISTÓRIA DE LULU KAMAYURÁ

Por Ananda Ribeiro / GNI

 

Kayutiti Lulu Kamayurá (20) é indígena da tribo dos Kamayurá, no Xingu, e filha de criação da Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. A adoção de Lulu por Damares tem sido questionada pela grande imprensa de diversas formas. Um desses questionamentos foi estampado na capa última edição da Revista Época, que publicou a fotografia da avó adotiva da jovem sob a manchete: “A branca levou a Lulu”.

A imagem de capa da Época foi publicada na página do Facebook da rede de comunicação Mídia Ninja, nesta quarta-feira (30) e compartilhada por milhares de pessoas. Indignada com a publicação, a indígena Ysani Kalapalo (27) publicou um vídeo em seu canal no You Tube denunciando a reportagem da revista. A jovem acusa a Época de entrar na aldeia Kamayurá sem a devida autorização para buscar informações sobre a filha de Damares, além de causar conflitos entre outra indígena ajudada pela Ministra e alguns de seus familiares que ficaram na aldeia.

Ysani entrou em contato com Kumaré Txicão, coordenador da FUNAI do Xingu, e ele infomou que “autorização daqui de Canarana não foi. Eu desconheço isso, porque quem autoriza ingresso na terra indígena é presidente da FUNAI, é isso que eu tenho para te informar”. Um outro contato de Ysani também confirmou que o presidente da FUNAI, Franklimberg, não deu a autorização “exatamente porque eles (da Época) não explicaram o motivo da entrada. Normalmente quem dá autorização é o presidente da FUNAI. Já que eles sabem que o presidente da FUNAI é o Franklimberg, o general, eles sabiam que ele não ia dar autorização pra eles, eles entraram assim mesmo. Devem ter falado com algum índio, sei lá, e entraram assim mesmo”, declarou.

Para esclarecer os fatos e descobrir qual a verdadeira história de Lulu Kamayurá, o GNI procurou algumas das pessoas envolvidas em sua remoção da tribo e perguntou a eles o que realmente aconteceu. Uma dessas pessoas foi o tio da jovem, que preferiu não se identificar para que seu trabalho de resgate e acolhimento de indígenas em situação de risco não seja prejudicado. Outra foi Márcia Suzuki, que fez parte da fundação da ONG ATINI – Voz Pela Vida assim como Damares Alves.

A visita na tribo dos Kamayurá

Márcia contou que ela e uma equipe que incluía o tio de Lulu foram visitar a Aldeia Kamayurá quando conheceram a menina. “A gente estava lá, tudo junto, e aí a gente viu a Lulu daquele jeito, suja, maltratada, trabalhando feito uma escravinha, assustada. Eram quatro horas da manhã e a gente acordava com ela ralando mandioca, carregando água. As outras meninas todas lindinhas, de cabelo cumprido, enfeitadinhas. E ela com os trapos imundos, sujos”. Incomodados com aquela situação, Márcia e sua equipe começaram a fazer perguntas sobre a menina. “Aí o tio dela contou pra gente a história, que ela tinha sido filha de mãe solteira, que tentaram enterrar, tinham feito o buraco”, disse.

O buraco seria para enterrar Lulu viva, por ser filha de mãe soteira. Sobre isso, o tio da jovem explicou que “a questão do infanticídio também existe ainda nas comunidades indígenas”. Ele afirmou que isso acontece com crianças “por causa da desnutrição, por causa da rejeição, ser filho de mãe solteira ou gêmeos. Existem gêmeos na aldeia, mas a maior parte da comunidade não aceita”.

O tio de Lulu acredita que ela foi levada para sua tribo, dos Kamayurá, com apenas um ou dois dias de vida. Ela foi levada para lá por uma enfermeira que trabalhava na região, depois de ser salva do infanticídio. “Uma parte da família aceitou, outra parte não, mas mesmo assim uma enfermeira pegou essa menina, no caso a Lulu, e levou para nossa aldeia. Fica mais ou menos 30 km dessa aldeia deles. Aí a minha tia adotou essa menina para trabalhar, para ajudar em casa, porque minha tia só tinha uma filha menina, que é a primeira filha, e o resto eram todos homens. Eram cinco homens. Então ela pegou a Lulu por ser filha de mãe solteira, por ser rejeitada. Ela criou para ela, aí ela foi crescendo e tudo. Na aldeia as coisas são diferentes… Filha de mãe solteira é rejeitada, então era muito difícil. Então ela foi rejeitada mesmo morando lá na minha tia, na nossa casa”, contou.

Sobre a visita de Márcia e sua equipe na aldeia, o tio contou em detalhes o que aconteceu:

“Quando o pessoal foi lá, inclusive eu fui lá, eles pediram ajuda porque a Lulu estava sendo maltratada. Os dentes dela estavam todos podres, então precisava de tratamento odontológico e médico também. Então eu fui lá com a equipe e eles pediram para mim, juntamente com a minha mãe.

Minha mãe já morava na cidade por causa do problema de saúde do meu irmão, até hoje ele faz tratamento no hospital da criança aqui em Brasília, então a gente conhecia a ONG (ATINI) naquela época. A família confiava na gente, em mim e na minha mãe também. Então a gente trouxe a Lulu. A família que pediu. Foi a minha tia, juntamente com meu tio aqui, o esposo dela. Inclusive eu tenho até os vídeos aqui! Última vez que eu fui, em 2015, eles aconselharam a Lulu a estudar mais, a ficar mais tempo na cidade e tudo. Então a gente trouxe ela para a cidade.

Ela veio comigo, com o irmão dela também, que mora na cidade. Hoje ele tem contato com a Lulu, naquela época estava trabalhando no exército, então ele meio que cuidava. Mas ela ficava lá na ONG mesmo, na ATINI, juntamente com minha mãe. Mesmo assim minha mãe não cuidava muito bem, porque já tinha meu irmão com problemas de saúde, precisva de cuidados especiais. Aí a Lulu foi morar com uma famíilia, depois outra”.

Sobre essa fase, Márcia também contou como foi. “Na época, a ATINI ainda não tinha chácara, as famílias todas ficavam na minha casa, na Asa Norte. Quando a Lulu chegou, ela foi discriminada na minha casa pelas famílias indígenas (por ser filha de mãe solteira). Para protegê-la, eu pedi que uma voluntária da ATINI cuidasse dela em sua casa que ficava na mesma quadra”.

O tio da jovem confirmou a história e completou: “Quando a família dela (Lulu) da aldeia veio para a cidade, a mãe adotiva (da aldeia) estava fazendo tratamento aqui em Brasília. Então eles pediram para a Damares. Naquela época a Damares era assessora parlamentar e tudo, então a gente conhecia desde 2006. Ela já fazia o trabalho de acolher as famílias, então a família pediu para a Damares cuidar dela. Aí eles conversaram, deu tudo certo, e pronto! “. Segundo o tio, a família adotiva voltou para a aldeia depois de terminar o tratamento e a Lulu continuou com a Damares, “foi morar com ela. Eu não sei como é o processo de adoção, essas coisas, mas foi conversado com a família da Lulu”.

O tio da jovem também relatou que, em 2015, foi para a aldeia Kamayurá no Xingu junto com sua esposa, mãe e irmã. Ele contou que ficaram hospedados na casa de seus tios, os pais adotivos de Lulu, durante 15 dias. “A vovozinha (que saiu na capa da Época) estava lá, o pai e a mãe também. Eles aconselharam a Lulu a ficar mais tempo na cidade para estudar mais, para ela se formar e depois poder ajudar a vovozinha, os pais, a comunidade”.

   

Ele afirmou que “a Dra. Damares nunca foi para o Xingu, ela nunca pisou na aldeia Kamayurá, ela sempre esteve aqui em Brasília, faz o trabalho dela aqui em Brasília. A família da Lulu sempre procura ela aqui. A Damares nunca foi nas aldeias para buscar ninguém ou falar com a família da Lulu. A família que veio atrás dela para pedir ajuda nessas questões”.

Repercussão

Depois do vazamento da capa da Revista Época com a foto da avó adotiva da jovem e a frase “A branca levou a Lulu”, a indígena Maybí Maxakali compartilhou a publicação indignada com a revista. “Só pra deixar claro, eu sou esquerdista. Sou justa, discordo totalmente com essa entrevista e o que fala nessa matéria. Quem entra numa aldeia e entrevista uma velhinha cega, já doente e expõe a foto dela deste jeito não tem nenhum respeito por nós, indígenas. A Damares criou a Lulu com autorização dos pais e hoje ela quer fazer doutorado. A Lulu não perdeu sua cultura, ela frequenta a aldeia, participa dos rituais e jamais foi levada a força para a casa da Damares”, disse a jovem.

Procurada pela reportagem do GNI, Maybí declarou: “Não estou defendendo a Damares, eu estou defendendo a verdade! É muito injusto isso! Eu sou indígena e conheço muitos casos parecidos com o da Lulu”. Ela afirmou estar defendendo “uma grande verdade. Tem muitas fake news aí sobre a Damares, o que eu estou achando um absurdo! Ela é uma pessoa assim… Doidinha, desequilibrada, sim… Mas eu dou a César o que é de César, eu falo a verdade!”.

Sobre a acusação de que Damares Alves adotou Lulu ilegalmente ou a sequestrou, Maybí comentou que “a Damares não adotou a Lulu, não tem nada disso de ela ter adotado no papel e nem ter adotado de forma irregular. Ela criou a Lulu! A Lulu foi morar com ela com o consentimento dos pais, os irmãos mais velhos dela também foram. O tio fez doutorado com a ajuda da Damares. Então, assim, hoje a Lulu está com 21 anos, ela não perdeu contato com a cultura, ela não perdeu as raízes dela, ela não se converteu ao cristianismo. Ela foi criada, sim, pela Damares. Foi morar com ela novinha para fazer um tratamento e, tipo assim, elas criaram um laço de afetividade! A Damares vê ela como filha… Acho que ela chama a Damares de titi ou de mamãe, não sei, mas esse negócio de sequestro, adoção irregular, é tudo mentira”, concluiu.

A jovem indígena explicou que conhece Lulu por contato e pelas histórias. “Quando eu soube da matéria, eu fui logo até ela e até a Damares procurar saber. E as duas me confirmaram isso, inclusive a mãe Kamayurá da Lulu”, relatou.